segunda-feira, novembro 17, 2008

Direito e Meio Ambiente – Novas regras regulamentadoras da Lei de Crimes Ambientais

Cássio dos Santos Peixoto (*)


Publicado no Diário Oficial da União dia 23 de julho deste ano, o Decreto 6.514, assinado pelo Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva na terça-feira 22.07, o qual torna mais rígida a Lei de Crimes Ambientais. Trata-se da nova regulamentação às disposições referentes às sanções administrativas previstas no Capítulo VI da Lei dos Crimes Ambientais (Lei n° 9.605, de 12 de fevereiro de 1998).

Para o Presidente, utilizando-se de vocábulo palaciano: [ o decreto é a melhor “bordoada” sobre “quem for picareta”]. Assim, com o objetivo de decifrar a ligação entre as afirmações presidenciais e o que realmente pode ocorrer no mundo jurídico, nos socorreremos de uma consulta ao dicionário Aurélio: “bordoada - s.f.- pancada com bordão, cacetada, paulada” e “ Picareta” além de significar ferramenta própria para escavar terra, o significado pretendido pelo presidente poderia ser: “pessoa que usa de expedientes ou embustes para alcançar favores.

Mesmo nos utilizando da forma coloquial, o termo “bordoada” pode soar como um impacto de relevante proporção sobre alguém ou algo e, nesse pormenor, o Presidente parece ter acertado no efeito que pretendeu dar ao vernáculo. Verdadeiramente, a regulamentação da Lei 9.605/98 ficou mais dura e com uma energia prática muito significativa. Já quanto a utilização do termo “picareta” houve uma impropriedade por parte do orador. Talvez se tenha colocado tudo e todos em uma vala comum, o que não é justificavel. A regulamentação, com certeza, não irá atingir apenas os “picaretas” como alegado. Atingirá, também, pessoas de bem, empresários desavisados, agricultores desassessorados, sem acesso às alterações na legislação e etc.

Para iniciarmos uma melhor interpretação, poderemos usar a frase, de efeito, ministerial “acabou a moleza de receber multa e não pagar.” Esta foi a declaração feita pelo ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, ao anunciar a assinatura do texto deste novo decreto. O objetivo do governo será tornar mais efetiva a cobrança das multas ambientais, concluindo, assim, o firme propósito, que está imbuído o governo, em coibir o não cumprimento das leis ambientais e suas sanções. Também ficou claro que a coerção se fará através de multas, com peso consideravelmente aumentado além da expectativa de que o tempo do processo possa ser reduzido de até 10 anos para alguns meses, em função da diminuição do número de instâncias a que os acusados de infrações ambientais poderão recorrer.

Apenas para exemplificar, no que se refere à pesca proibida (no período de defeso, em local ou com apetrecho proibido), por exemplo, o valor foi onerado em 100% por quilo de pescado apreendido. Nos casos de captura, transporte e comércio de espécie ameaçada de extinção, a multa subiu dez vezes por indivíduo. Utilizando um caso prático recente, o proprietário do barco de pesca apreendido com 30 toneladas de pescados por falta de licença para capturar uma determinada espécie foi multado em R$ 2 mil. Se fosse autuado sob a égide da nova legislação, o valor alcançaria R$ 610 mil. Outra novidade é a retomada da conversão da multa simples em serviços de preservação, melhorias e recuperação do meio ambiente, considerando que até 60% da multa pode ser convertida. Além disso, é prevista multa administrativa para quem dificultar a fiscalização ou descumprir embargos, até então inexistente.

Nos processos já em andamento, as multas seguem no valor estipulado anteriormente e, legalmente não poderia ser de outra forma, mas os procedimentos administrativos podem sofrer alterações. Importante frisar que no geral, as multas estabelecidas pelo novo decreto variam entre R$ 50,00 e R$ 50 milhões, não restando dúvidas do caráter inibidor do decreto em função do constrangimento econômico.

A imagem que o governo tenta passar é que não vale a pena cometer o crime ambiental.

Se até o presente ponto, o leitor não se viu envolvido nesta nova regra, a amplitude não pára por aqui. Em se tratando da reserva legal também há inovação. O proprietário de terra localizada dentro de um bioma que não registrou em cartório a "reserva legal" (espaço a ser preservado) pode ser multado. Muitas propriedades não têm, apesar de ser obrigatório. E este decreto (6.514) prevê autuação e multa de R$ 500,00 a R$ 100 mil.

Também está contemplada, entre outras situações, a utilização pela autoridade ambiental de veículos e equipamentos apreendidos e a apreensão de animais domésticos e exóticos em áreas embargadas previamente. Nesse campo, a autorização legal, muito se parece com o que já vem acontecendo com bens ilícitos que são usados pela autoridade policial competente.

Empresários em geral, investidores, industriais deverão dobrar a atenção. Infrações referentes à poluição foram aprimoradas, e agora incluem punição a responsáveis por poluição atmosférica que provoque a retirada, ainda que momentânea, dos habitantes das áreas afetadas ou que provoque, de forma recorrente, significativo desconforto respiratório ou olfativo. Além das novas infrações administrativas, os valores das multas cominadas a diversas infrações foram atualizado

Algumas normas do IBAMA que eram instruções normativas, portarias, agora estão respaldadas no decreto e forçosamente na lei 9.605/98. Em diversos pronunciamentos tem-se comungado que as mudanças devem contribuir para a redução dos crimes ambientais. Não podemos esquecer que o decreto revogado possuía 62 artigos enquanto o novo possui 154. Existe, ainda, uma melhor especificação das sanções, sendo que uma das principais mudanças promovidas foi à redução do número de instâncias de recursos de multas por crimes ambientais. O Instituto também obteve a prerrogativa, semelhante a da Receita Federal do Brasil, de perda dos bens apreendidos.

Em vários estados, fiscais do IBAMA estão passando por uma preparação e conhecimento para aplicação da nova regulamentação. Todas as autuações lavradas pelo Órgão, até o dia 22 de julho do corrente, tenham como base legal, o decreto nº 3.179/99 que foi revogado pelo decreto 6.514/08. Como, nos autos de infração a serem lavrados é obrigatório constar o dispositivo legal considerado violado e a pretensa pena fixada em reais, esta preparação se tornou muito importante para a fiscalização.

Por fim, a discussão que tento colocar à baila, é que o meio ambiente precisa ser preservado a todo custo, não só por iniciativa governamental, mas pela sociedade civil organizada, tanto pelo setor público como privado. É inexorável a certeza que, a cada dia, a legislação vai se tornando mais rígida, complexa e restritiva. Levando-se em consideração que economicamente, o meio ambiente tem se destacado favoravelmente aos olhos dos investidores. Há necessidade do conhecimento específico e o cumprimento das normas, executando regularmente perícias de conformidade legal e providenciar sua adequação. Não se pode deixar chegar ao ponto de inviabilizar o negócio e, por isso, a preparação deverá ser cotidiana, técnica e responsável. Conhecer as condições autorizativas para operar a atividade empresarial poderá ser a diferença entre as empresas no futuro.

* Advogado, perito ambiental, pós-graduado em Direito Ambiental (PUC/MG) e em Gestão Ambiental (Senac/MG).

Fonte:
Portal Ambiente Brasil