sexta-feira, outubro 09, 2009

O colapso do Protocolo de Kyoto

O que começou aqui na segunda-feira retrasada como um sussurro virou um grito nesta semana: o Protocolo de Kyoto vai acabar. Seu funeral está marcado para a semana de 7 de dezembro, na Dinamarca. Como diria Caymmi, é doce morrer na Dinamarca.

Negociadores dos países ricos reunidos aqui em Bancoc para tentar produzir o texto do novo acordo do clima vocalizaram ontem de maneira muito explícita o desejo da morte de Kyoto. O "Earth Negotiationa Bulletin", uma newsletter que tem acesso aos lugares aonde jornalistas não vão nas reuniões diplomáticas, citou os EUA como dizendo que não é certo "qual será a configuração de Copenhague em relação ao destino do Protocolo de Kyoto". Em bom diplomatês, isso significa: "vamos acabar com esse negócio".

Mas espere um momento, você dirá: Kyoto não ia acabar de qualquer maneira em 2012 - e é por isso que estamos negociando Copenhague, para começo de conversa?

Bem, não exatamente. Sim, o primeiro período de compromisso de Kyoto de fato acaba em 2012. Mas as negociações de clima hoje estão seguindo em dois trilhos, um para os países em desenvolvimento + os EUA (o AWG-LCA) e outro para os membros de Kyoto (o AWG-KP; KP de "Kyoto Protocol"). A proposta dos países ricos é que o pessoal embarcado no trem de Kyoto (UE, Japão, Austrália, Nova Zelândia, Canadá e Leste Europeu + Rússia) pule para a outra linha.

Pessoalmente, eu não sentiria saudades de Kyoto. O protocolo foi incapaz de engajar os EUA, tem metas pífias e alivia muito para todo mundo, pois permite que grande parte das reduções domésticas seja feita por meio da compra de créditos de carbono, uma espécie de venda de indulgências. Talvez eu esteja influenciado pelo livro "The Collapse of the Kyoto Protocol", do americano David Victor (já elogiado neste blog), que empresta o título a este post. Victor argumenta que Kyoto foi negociado às pressas, com uma arquitetura ruim (exclui, por exemplo, um imposto internacional sobre o carbono, que muita gente acha que seria muito mais eficiente que apenas o "cap-and-trade") e acabou se transformando num pacto de mediocridade, e uma mediocridade difícil de cumprir, o que é pior.

Mas os negociadores dos países em desenvolvimento contra-argumentam, com razão, que Kyoto ao menos fornece um arcabouço no qual reduções compulsórias podem ser feitas pelos países ricos, com metas para toda a economia (e não apenas para alguns setores, como os EUA planejam adotar). E o protocolo, continuam, para usar a linguagem do design inteligente, é um exemplo de "complexidade irredutível": não dá para escolher algumas de suas partes sem que a coisa toda desmorone. Aparentemente, os países ricos estão querendo pular fora de Kyoto para não terem de amargar metas compulsórias ambiciosas para toda a economia.

O perhaps é que os países do G77 (em desenvolvimento) estão interpretando isso como um golpe. Nas palavras de um delegado, o fim de Kyoto "envenena as negociações". A confiança entre países ricos e pobres, que já era pouca, sumiria de vez. E, neste caso, não é só Kyoto que terá seu réquiem tocado em Copenhague. Será a própria negociação do clima.

Fonte: Folha online