terça-feira, maio 04, 2010

Código Florestal pode permitir desmatamento de mais cem milhões de ha

Se o Código Florestal, que tramita no Congresso Nacional, for aprovado sem modificações, já estará permitindo o desmatamento de mais cem milhões de hectares de floresta no território brasileiro, especialmente na Amazônia. Essa é a conclusão de um estudo, provavelmente o mais detalhado sobre o assunto, feito pelo professor Gerd Sparovek, da Escola Superior de Agricultura da Universidade de São Paulo (Esalq/USP) e apresentado ontem pela primeira vez, durante um workshop para jornalistas promovido em São Paulo por três das principais ONGs ligadas ao movimento ambiental no país: Greenpeace, WWF-Brasil e SOS Mata Atlântica.

Em meio a acirrada discussão que envolve a bancada ruralista do Congresso e os ambientalistas, o estudo de Sparovek conta com um levantamento minucioso sobre Áreas de Preservação Permanentes (APPs), Reservas Legais e Unidades de Conservação/Terras Indígenas, com um cuidado de separar cada caso e evitar redundâncias no cálculo, o que ainda não havia sido alcançado. A pesquisa, que será publicada na íntegra daqui a cerca de um mês em uma revista científica americana, poderá ser utilizada como forte argumento dos ambientalistas, que lutam para que o código não seja ainda mais flexibilizado. Do outro lado, os ruralistas contam com um estudo publicado pela Embrapa, assinado pelo pesquisador da instituição Evaristo Miranda, mostrando que a implementação de áreas de Reserva Legal de acordo com o que está previsto no Código inviabilizaria a agricultura brasileira. 

No entanto, a pesquisa de Spavorek apresenta, ponto a ponto, como o código poderia ser implementado de forma mais rigorosa e, ainda assim, permitir o avanço da agricultura e da agropecuária no Brasil. Com o cruzamento de mais de cem tabelas, o professor da USP chegou a conclusão de que, se a pecuária fosse expandida em terras extensivas já utilizadas para pastagem, ela liberaria algo em torno de 60 milhões de hectares, dobrando o potencial da produção no país:

"Não podemos continuar permitindo uma forma de agropecuária que mantém um só boi em areas imensas. A agropecuária brasileira está baseada em um padrão de baixa produtividade que desmata muito, e com consentimento. Mas os números agora mostram que, se a produtividade for ampliada, é possível liberar mais 60 milhões de hectares em áreas com alto potencial para pecuária", explicou Spavorek.

Dando sequência à apresentação de Spavorek, um levantamento do biólogo e professor da USP Jean Paul Metzger mostrou que os índices estabelecidos pelo Código Florestal também estão abaixo do que seria necessário para preservar a biodiversidade em todos os biomas, inclusive na Amazônia. Segundo a pesquisa, para resguardar a permanência de todas as espécies animais e vegetais, seria necessário manter 60% de cobertura vegetal nativa em cada bioma. Do contrário, as espécies perdem o potencial de percolar, algo que pode ser resumido como a queda na possibilidade de uma espécie circular e se reproduzir em seu habitat, em consequência da perda da cobertura vegetal:

"Foi o que aconteceu com a Mata Atlântica e a Caatinga. Esses biomas já perderam o potencial de percolação e, por isso, temos tantas espécies em extinção. Para proteger a Amazônia, é necessário manter 60% de sua cobertura vegetal. E, dentro dessa conta, não podemos incluir unidades de conservação indígenas, pois essas são destinadas à produtividade. Estamos falando da necessidade de reservas legais completamente protegidas", disse Metzger.

Ainda segundo o estudo, os limites mínimos para manutenção de mata ciliar também estão abaixo do necessário para proteger a biodiversidade. Enquanto o código permite a manutenção de apenas 30 metros de cada lado dos rios, totalizando 60 metros, Metzger calcula que seriam necessários, no mínimo, cem metros no total. Abaixo disso, nossa biodiversidade estaria em perigo, como apontam, em consonância, os dois estudos.

Fonte: Globo online