quarta-feira, abril 09, 2008

Recomendação do MP sobre empreendimento para exploração de fosfato em Anitápolis/SC

Segue abaixo a recomendação do Ministério Público Federal sobre o empreendimento das empresas Bunge e Yara em Anitápolis/SC.

RECOMENDAÇÃO

CONSIDERANDO que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (art. 225, CF/88);

CONSIDERANDO que é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas (art. 23, VI da CF/88), entendendo-se tal competência como obrigação vinculada e inafastável;

CONSIDERANDO ser função do Ministério Público Federal a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, conforme disposto no art. 129, III, da Constituição Federal de 1988 e art. 6º, VII, “b”, da Lei Complementar nº 75/93;

CONSIDERANDO que a Mata Atlântica é patrimônio nacional (art. 225, § 4º, da CF/88) e que sua exploração só poderá ser autorizada e realizada desde que garantida a salvaguarda de sua biodiversidade e demais atributos ecológicos (art. 6º da Lei nº 11.428/2006), os quais fundamentaram o procedimento de inscrição do bioma como Reserva da Biosfera (UNESCO) e sua especial proteção com base no compromisso internacional assumido pelo Brasil em relação à Convenção da Diversidade Biológica (CDB);

CONSIDERANDO que a supressão de vegetação primária e secundária de Mata Atlântica em área rural é exceção à regra de preservação e dependerá sempre do atendimento às restritas condições impostas pelo art.14, §1º da Lei nº11.428/06, a qual neste aspecto reafirmou os dispositivos do Decreto Presidencial 750/93, especialmente no que se refere à intervenção dos vários órgãos de proteção ao meio ambiente, notadamente o IBAMA;

CONSIDERANDO que é vedada, em qualquer hipótese, a supressão de vegetação primária ou nos estágios avançado e médio de regeneração de Mata Atlântica quando houver espécies da flora e fauna silvestres ameaçados de extinção (art. 11, inciso I, alínea “a”, da Lei nº11.428/06, também confirmando anterior dispositivo do Decreto 750);

CONSIDERANDO que empreendimentos minerários são essencialmente utilizadores de recursos naturais e potencialmente poluidores em grande escala, devendo merecer do órgão ambiental licenciador séria e responsável avaliação;

CONSIDERANDO os elementos que instruem o pedido de Licença Ambiental de interesse da IFC INDÚSTRIA DE FOSFATADOS CATARINENSE LTDA. para o empreendimento denominado PROJETO ANITÁPOLIS, que pretende explorar uma jazida de fosfato (processo DIV 796/CRF) em uma área aproximada de 800 hectares, com pretensão de supressão de vegetação de Mata Atlântica e de preservação permanente;

CONSIDERANDO que o parecer nº 40/06 da Procuradoria Jurídica da Fundação do Meio Ambiente (FATMA) concluiu equivocadamente que “o processo em pauta não necessitará ser enviado ao IBAMA para fins de anuência e que “espécies ameaçadas de extinção, endêmicas ou raras, per si, não constituem um óbice ao licenciamento”, e que com base em tal errôneo parecer teria sido deferida Licença Ambiental Prévia (LAP) em afronta à legislação em vigor, possibilidade posteriormente negada pela direção da FATMA, sem maiores explicações sobre o preocupante parecer jurídico;

CONSIDERANDO que este Ministério Público Federal encaminhou em março do corrente à Fundação Estadual do Meio Ambiente - FATMA, Recomendação específica para suspensão do licenciamento ambiental, bem como revisão de todo o procedimento administrativo do mesmo, com base nos indicativos sobre o termo de referência do Estudo Prévio de Impacto Ambiental e suas lacunas, análise elaborada pela equipe técnica da 4ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF;

CONSIDERANDO as evasivas respostas enviadas pela FATMA a este Ministério Público, informando sobre a inexistência de licença ambiental prévia e sobre terem sido exigidas complementações ao Estudo Prévio de Impacto Ambiental, sem qualquer esclarecimento sobre a adoção das exigências legais antes referidas, ou sobre as complementações expressamente indicadas pela análise técnica anteriormente enviada pelo MPF (Informação Técnica 228/06 - 4ª CCR);

CONSIDERANDO o recebimento de convite, nesta Procuradoria da República em Santa Catarina, para participação em audiências públicas relacionadas ao licenciamento objeto desta Recomendação, a serem realizadas em 26 e 27 de setembro próximos, nos municípios de Anitápolis e Lages, respectivamente, sem qualquer informação ou encaminhamento dos documentos técnicos novos (complementações) e dos pareceres da FATMA e do IBAMA sobre os mesmos;

CONSIDERANDO o conteúdo da Informação Técnica nº 180/2007 da Assessoria deste MPF, corroborando o entendimento acerca das deficiências do Plano de Trabalho referente ao Estudo de Impacto e a constatação de não atendimento à Recomendação anterior deste Ministério Público (alteração e fixação legal do Termo de Referência);

CONSIDERANDO que o procedimento de licenciamento ambiental em comento possui vícios insanáveis, não atendendo aos dispositivos legais aplicáveis - exigências previstas nas Resoluções CONAMA 01/86 e 237/97 -, especialmente no que respeita à abrangência dos estudos em relação a todos os impactos decorrentes das obras e/ou atividades, de forma integrada e com atenção especial à bacia hidrográfica no qual se insere a área geográfica pretendida (inclusive em relação à previsão de construção de vias de acesso rodoviário, riscos de transporte de cargas perigosas e abastecimento de água à população, proteção a corredores de remanescentes, dentre outros);

CONSIDERANDO que o EIA sob análise também não atende às regras legais e ao seu desiderato no que se refere aos estudos sócio-econômicos, negligenciando as populações que serão direta e indiretamente afetadas, o que se comprova inclusive pelo fato de as audiências públicas pretendidas pela FATMA não terem sido previstas para realização na localidade de São Paulo dos Pinheiros, área que corre risco de aniquilamento na hipótese de concretização do empreendimento;

CONSIDERANDO que a audiência pública prevista pela Resolução CONAMA 01/86 tem como escopo expor aos interessados o conteúdo do pedido de licenciamento em análise e do relatório/resumo de impacto ao meio ambiente - RIMA, dirimindo dúvidas e recolhendo dos presentes as críticas e sugestões a respeito (Resolução CONAMA 09/87);

CONSIDERANDO que para que as informações a serem prestadas em audiência pública sejam fidedignas e abrangentes, e para que sejam dirimidas as dúvidas das populações a serem atingidas/impactadas, o EIA deverá ter seu conteúdo analisado pela equipe técnica do órgão licenciador - única forma de serem prestados reais esclarecimentos e dirimidas as dúvidas - antes da realização da ou das audiências, conforme determina o art. 10 da Resolução CONAMA 237/97, norma que indica em ordem cronológica os atos ou fases do licenciamento ambiental com exigência de EIA;

CONSIDERANDO que a audiência pública é o item “V” do artigo 10 da Resolução CONAMA 237/97, a ser realizada após a definição do termo de referência dos estudos pelo órgão licenciador (I), do requerimento de licença pelo empreendedor acompanhado dos documentos de estudos (II), da análise de tais documentos e das vistorias a serem realizados pelo órgão ambiental (III) e, se for o caso, da solicitação de esclarecimentos e complementações (IV);

CONSIDERANDO que a FATMA ainda não analisou tais documentos técnicos, nem sequer indicou termo de referência para estudos na forma regulamentar, descurando de sua obrigação de delimitação da área de abrangência/influência do Estudo de Impacto;

CONSIDERANDO tratar-se, a região pretendida, de área prioritária para a proteção de remanescentes de mata atlântica, inclusive fauna e flora em risco de extinção, bem como de pretensão de obras e atividades com grave risco para os recursos naturais imprescindíveis para a população de Anitápolis e para toda a bacia hidrográfica;

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, através de sua agente infra-firmada, no cumprimento de suas atribuições e com fundamento no art. 6º, inc. XX da Lei Complementar nº 75/93,

RECOMENDA

À Fundação Estadual do Meio Ambiente (FATMA), que cumpra a Legislação em vigor, suspendendo imediatamente a realização das audiências públicas previstas para os dias 26 e 27 de setembro - em Anitápolis e Lages, respectivamente -, revisando todo o procedimento de licenciamento e abstendo-se igualmente de autorizar qualquer corte de vegetação de Mata Atlântica na área pretendida, considerando-se advertidos a Presidência do órgão e seus funcionários acerca de sua responsabilidade cível e criminal por possíveis danos ambientais na área pretendida pelo empreendimento em comento decorrentes de ação ou omissão.

Tratando-se de informações imprescindíveis para a propositura de ação civil pública, fixa o prazo de dez (10) dias úteis para comprovação perante a PR/SC da adoção das providências aqui RECOMENDADAS, bem como para encaminhamento do procedimento completo de licenciamento ambiental à Procuradoria da República, para extração de cópias, com fundamento nos dispositivos da Lei Complementar 75/93 c/c Lei 7347/885 e sob as penas previstas pelo art. 10 deste último documento legal, em caso de descumprimento.

Com base nos dispositivos da resoluções CONAMA 01/86 e 237/97, REQUISITA o MPF, ainda, a realização de audiências públicas em todos os municípios da zona de influência do empreendimento e de seus equipamentos de apoio (inclusive áreas de transporte e de manipulação/destinação de dejetos), especialmente na localidade de São Paulo dos Pinheiros, em Anitápolis, APÓS as providências para delimitação correta do termo de referência do EIA, consulta ao IBAMA sobre a possibilidade de supressão de mata atlântica, entrega dos documentos técnicos pelo empreendedor em atendimento ao novo termo de referência, vistorias e análise dos novos documentos pelos técnicos da FATMA.

Cópias desta Recomendação serão enviadas ao Conselho Estadual de Meio Ambiente, ao IBAMA, ao CONAMA, ao Ministério do Meio Ambiente, ao Conselho da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica em Santa Catarina e às Prefeituras Municipais de Anitápolis e de Lages, para ciência e adoção das medidas cabíveis, bem como à 4ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF e à ONG Representante, para ciência, publicado o conteúdo no site da PR/SC.

Florianópolis, 24 de setembro de 2007.

ANALÚCIA HARTMANN

Procuradora da República