segunda-feira, abril 10, 2006

Protocolo de Cartagena

Filipe Corrêa da Costa
Bacharel em Direito, especialista em educação e meio ambiente, mestrando em Engenharia e Gestão do Conhecimento, Coordenador do Núcleo Ecotec.
Tarás Antônio Dilay
jornalista, editor da revista PontoGov, integrante do Núcleo de Mídia e Comunicação do IJURIS e ecologista nas horas vagas


* Matéria originalmente publicada na revista eletrônica PontoGov 02 em www.ijuris.org

Com a realização da 3ª Reunião dos Países Membros do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança (MOP-3), realizada em Curitiba, o assunto biossegurança volta à tona com força no cenário internacional. Isso ocorre em um contexto onde já são cultivados aproximadamente 80 milhões de hectares de organismos vivos modificados – OVM’s. Cerca de 6% desse total está em território brasileiro.

Biossegurança é uma medida, voltada para o controle e para minimização de riscos advindos da prática de diferentes tecnologias, seja em laboratório ou quando aplicadas ao meio ambiente, sendo mais conhecida pela regulação dos organismos vivos modificados (OVM’s). O Protocolo de Cartagena é o primeiro a ser assinado no âmbito da Convenção da Diversidade Biológica (CDB) e visa assegurar um nível de proteção no uso, transferência e manipulação dos OVM’s que possam ter impactos negativos sobre à biodiversidade e à saúde humana.

O que este Protocolo propõe é um nível adequado de proteção da diversidade biológica, não uma proteção absoluta. A ênfase está na conservação e na utilização sustentável da diversidade biológica, ou por outras palavras, funcionalidade do sistema sustentável. No contexto de outros documentos da CDB e de seu próprio derivativo, o Protocolo, não se pretende definir o dano como qualquer alteração à biodiversidade. Em vez disso, iniciam uma definição de dano como uma falha da funcionalidade do sistema sustentável.

Assegurar um nível adequado de proteção no campo da transferência, da manipulação e do uso seguros dos OVMs resultantes da biotecnologia moderna que possam ter efeitos adversos na conservação e no uso sustentável da diversidade biológica, implica em considerar, também, os riscos para a saúde humana decorrentes do movimento transfronteiriço – daí a principal discussão do encontro das partes do Protocolo: “contém” ou “pode conter”? A adoção do Protocolo pelos países-partes da Convenção constitui-se em um importante passo para a criação de um marco normativo internacional. Da mesma forma, cria uma instância internacional para discutir os procedimentos que deverão nortear a introdução de organismos vivos modificados em seus territórios. Neste contexto, cabe salientar que o Protocolo incorpora em artigos operativos o Princípio da Precaução, um dos pilares mais importantes desse instrumento e que deve nortear as ações políticas e administrativas dos governos, refletindo o equilíbrio entre a necessária proteção da biodiversidade e a defesa do fluxo comercial dos OVMs.

Trata-se, portanto, de um instrumento de direito internacional que tem por objetivo proteger os direitos humanos fundamentais, tais como a saúde humana, a biodiversidade e o equilíbrio ecológico do meio ambiente, sem os quais ficam prejudicados os direitos à dignidade, à qualidade de vida e à própria vida, direitos garantidos pela Constituição Federal de 1988 e consagrados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, de 1948.

Por ser um encontro para formatação de uma norma internacional, sua funcionalidade esta voltada para discussões sobre a semântica e sobre as possíveis interpretações jurisprudenciais que cada país-parte pode desenvolver.Entre os principais temas tratados na MOP-3 estão:

- Identificação, embalagem, manuseio e uso de organismos vivos modificados.
- Responsabilidade e reparação/compensação decorrentes de danos resultantes do movimento transfronteiriço de organismos vivos modificados.
- Avaliação, manejo e comunicação de risco.
- Cooperação com outras organizações, convênios e programas.
- Metodologias para identificação de organismos vivos modificados.
- Percepção e participação pública na implementação do Protocolo.

Esse último tema é de extrema importância no contexto brasileiro do governo eletrônico. A percepção e participação pública na implementação do Protocolo de Cartagena são fundamentais para que a posição das sociedades seja traduzida nos acordos firmados implementados pelos países. Uma das maneiras mais eficientes para legitimar a sua política internacional é estabelecer mecanismos de capacitação, comunicação e participação entre o governo e sociedade. A participação pública em decisões internacionais se mostra a cada dia mais presente e vem sendo extremamente útil como instrumento de pressão sobre a diplomacia.

Assim, estabelecer princípios fundamentais de uso da tecnologia aliados a governabilidade terá resultados concretos sobre a biossegurança e seu derivativos como biopirataria, biociência e bioética, daí a importância do Governo Eletrônico como agente da biodiversidade. O objetivo da biossegurança é reconhecer fontes de perigo, avaliar as situações de risco que essa fonte oferece e controlá-la, tomando decisões técnicas e/ou administrativas para promover mudanças. Desta forma não se pode mais dissociar questões de biossegurança o uso massivo de tecnologia, tal como, uma ação pública convergente. Portanto a tríplice aliança biossegurança – tecnologia – governo formam a base de toda sustentabilidade do Protocolo, mesmo porque a determinação de OVMs não se dá por declaração, mas por exames laboratorias precisos e decorrentes de especialização tecnológica.

Sob a luz do processo legislativo da ONU, a norma reguladora se constrói da seguinte forma:

- Cada decisão deve ser adotada por consenso, não existe deliberação de plenária por maioria.
- Os temas de debate são distribuídos aos grupos de trabalho formados por países interessados que vão discuti-los para tentar chegar a uma decisão consensual.
- Esses grupos de trabalho chegam a ter mais de 100 países e são os responsáveis pelas decisões finais das reuniões. Nesses grupos os idiomas são os oficiais da ONU – inglês, espanhol, chinês, árabe, francês e russo + a língua do país sede.
- Os temas polêmicos são encaminhados para a discussão nos grupos de contato.
- Os grupos de contato são formados por um número menor de países. No caso específico sobre a discussão da identificação das cargas transgênicas, principal tema da MOP3, por exemplo, exigiu a formação de um grupo de contato de cerca de 50 países.
- Se a polêmica é muito grande, dentro de um grupo de contato, o coordenador constitui um novo grupo.
- Quando um grupo de contato chega a um consenso, encaminha uma proposta para ser votada pelo grupo de trabalho. Se não houver consenso, o texto da proposta segue com as partes não-acordadas entre colchetes – foi o caso do debate pelas expressões “contém” e “podem conter”. Neste grupo, só se fala em inglês, para não haver interpretações dissonantes.
- Grupo de amigos do coordenador – formado por cerca de 10 países que representam as principais posições discutidas. Uma proposta do grupo de amigos do coordenador, consensual ou não, é então encaminhada de volta ao grupo de contato. Igualmente neste grupo só se fala inglês.

Todavia, a busca incessante do consenso não resultou em avanços significativos neste encontro brasileiro. A oposição do Paraguai e do México somado ao Peru a e firme posição da Nova Zelândia prorrogou a finalização da norma reguladora para 2012.

No que concerne ao Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança para o Brasil é norma internacional já incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro, isto é, o bem jurídico protegido é a conservação e o uso sustentável da diversidade biológica, considerando-se os possíveis riscos para a saúde humana. Seu artigo 27 dispõe sobre responsabilidade e compensação e estabelece que as Partes criarão normas e procedimentos internacionais relativos à responsabilidade e compensação a serem aplicados em situação de dano oriundo de movimento transfronteiriço de OVMs.

Com relação à regulamentação interna, a Lei n. º 11.105/2005 (Lei de Biossegurança) prevê o dever de indenizar ou reparar integralmente os danos causados ao meio ambiente e a terceiros de forma solidária e independentemente da existência de culpa, em seu artigo 20, estabelecendo a Responsabilidade Civil Objetiva dos agentes causadores do dano.

Configura-se o dano toda vez que houver lesão a qualquer bem jurídico individual ou coletivo, seja patrimonial, seja no tocante à honra, à saúde, à vida e ao meio ambiente. O objetivo da responsabilidade civil é devolver ou compensar, de alguma maneira, os prejuízos causados, de forma a retornar ao estado anterior em que se encontrava (satus quo ante), ou o mais próximo dele possível.

O que é preciso então? Fazer valer nossos mecanismos internos de garantia de direitos ou esperar até 2012.